Trinca ou
fissura?
Como se originam, quais os tipos, as causas e as
técnicas mais recomendadas de recuperação de fissuras
Fissuração
por corrosão das armaduras provocando a queda do revestimento
Por
Rodnei Corsini
Edição
160 - Julho/2010
As fissuras são um tipo comum de patologia nas modificações
e podem interferir na estética, na durabilidade e nas características
estruturais da obra. Tanto em alvenarias quanto nas estruturas de concreto, a
fissura é originada por conta da atuação de tensões nos materiais. Quando a
solicitação é maior do que a capacidade de resistência do material, a fissura
tem a tendência de aliviar suas tensões. Quanto maior for a restrição imposta
ao movimento dos materiais, e quanto mais frágil ele for, maiores serão a
magnitude e a intensidade da fissuração. A formação das fissuras, como explica
o engenheiro Renato Sahade, diretor técnico da ATS Engenharia e Consultoria,
está ligada a situações externas ou internas. Entre as ações externas aos
componentes, estão as fissuras causadas por movimentações térmicas, higroscópicas,
sobrecargas, deformações de elementos de concreto armado e recalques
diferenciais. Entre as ações internas, as causas das fissuras estão ligadas à
retração dos produtos à base de cimento e às alterações químicas dos materiais
de construção.
A fissura pode ter origem em fases diferentes da edificação, como enumera o
engenheiro Paulo Grandiski, do Ibape-SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e
Perícias de Engenharia de São Paulo): "Em uma visão geral, simplificada,
as origens das fissuras de uma edificação podem surgir na fase de projetos -
arquitetônico, estrutural, de fundação, de instalações -, de execução da
alvenaria, dos vários sistemas de acabamento e, inclusive, na fase de
utilização, por mau uso da unidade".
Tecnicamente, e de forma geral, o
termo fissura é preferível ao termo trinca. Algumas normas e alguns peritos
podem classificar as fissuras com diferentes nomes, conforme a sua espessura.
Segundo a norma de impermeabilização (NBR 9575:2003), as microfissuras têm
abertura inferior a 0,05 mm. As aberturas com até 0,5 mm são chamadas de
fissuras e, por fim, as maiores de 0,5 mm e menores de 1,0 mm são chamadas de
trincas. "Essa nomenclatura pode ser aplicada às trincas passivas, que não
variam ao longo do tempo, em função da variação da temperatura tópica. Já para
as trincas ativas, que variam conforme a respectiva variação higrotérmica, essa
nomenclatura é inaplicável, pois a classificação mudaria conforme o instante da
medição", argumenta Grandiski. A variação higrotérmica é a ação simultânea
de dilatação e retração provocada pela absorção de água e pela variação de
temperatura na edificação.
O engenheiro do Ibape lembra, ainda, que existem as fissuras com origem
exógenas às obras. "Não bastassem as fissuras e trincas endógenas à obra,
nela podem surgir fissuras com origem na natureza - como sismos, ventos,
enchentes etc. - e com origem em obras vizinhas - como rebaixamento do lençol
freático, trepidações causadas pelo cravamento de estacas, escavações lindeiras
etc."
Tipos
As fissuras nas alvenarias são
divididas de acordo com sua forma de manifestação, seu desenho, que pode ser
geométrico ou mapeado. Essas duas classes são subdivididas, cada uma, entre
fissuras ativas e passivas. As ativas ainda admitem uma nova subdivisão, em que
podem ser sazonais ou progressivas. As geométricas (ou isoladas) podem ocorrer
tanto nos elementos da alvenaria - blocos e tijolos - quanto em suas juntas de
assentamento. As mapeadas (também chamadas de disseminadas) podem ser formadas
por retração das argamassas, por excesso de finos no traço ou por excesso de
desempenamento. No geral, elas têm forma de "mapa" e, com frequência,
são aberturas superficiais.
|
Fissuração mapeada causada por
retração de secagem da argamassa
|
As fissuras ativas (ou vivas) são aquelas que têm
variações sensíveis de abertura e fechamento. "Se essas variações oscilam
em torno de um valor médio - oscilantes - e podem ser correlacionadas com a
variação de temperatura e umidade - sazonais -, então as fissuras, embora
ativas, não indicam ocorrência de problemas estruturais", afirma Renato
Sahade. Mas se elas apresentarem abertura sempre crescente, podem representar
problemas estruturais, que devem ser corrigidos antes do tratamento das
fissuras - que neste caso são chamadas de progressivas. As causas desses
problemas devem ser determinadas por meio de observações e análise da
estrutura. Por fim, as passivas (também chamadas de mortas) são causadas por
solicitações que não apresentam variações sensíveis ao longo do tempo. E, por isso,
podem ser consideradas estabilizadas.
Causas e riscos
Apesar de muitas vezes a configuração de uma fissura parecer semelhante à
outra, suas causas podem ser bastante diferentes. "Uma fissura de deformação
de estrutura, por exemplo, pode ser parecida com uma de recalque de fundação.
Uma de dilatação térmica pode ser igual a uma de retração de secagem. Por isso,
é preciso ter um treinamento e certa experiência para, com uma inspeção visual,
chegar à causa", afirma Ercio Thomaz, pesquisador do IPT (Instituto de
Pesquisas Tecnológicas). Segundo ele, na maior parte das vezes a fissura é
inspecionada visualmente e, assim, o diagnóstico é muito dependente da
experiência do profissional. Mas é possível, também, fazer análises com auxílio
de instrumentação.
Os danos que uma fissura pode representar à edificação são bastante variáveis.
"Depende muito do elemento. Por exemplo: uma microfissura em concreto
protendido pode ser sintoma de uma sobrecarga considerável. Uma fissura
capilar, de 0,1 mm, no meio de uma viga, de concreto armado, não quer dizer
nada. Mas se for próximo de um apoio, pode indicar efeito de uma força cortante
e já pode ser um sintoma de sobrecarga considerável", compara Thomaz.
Geralmente, fissuras na alvenaria representam menos riscos do que em vigas e
pilares. Mas é preciso ter cuidado, pois uma patologia na alvenaria pode ser
consequência de um problema estrutural mais sério.
|
Destacamento da argamassa de
revestimento por movimentação térmica
|
Em uma edificação existem as fissuras admissíveis,
que são aceitas ou previstas no projeto. O projeto estrutural precisa ser
elaborado conforme a respectiva classe de agressividade ambiental - segundo a norma
de Projetos de Estruturas de Concreto (NBR 6118:2003), pois o mesmo projeto não
pode ser executado na zona urbana da cidade de São Paulo e na orla marítima de
Santos, por exemplo. A desobediência a essas disposições estruturais pode
implicar o surgimento de fissuras.
"Além dos 'wk', que constituem 'fissuras planejadas nos projetos das estruturas',
o projeto deve prever juntas de dilatação estruturais para evitar o surgimento
de fissuras de origem térmica em extensões superiores a 20 m, por
exemplo", afirma Paulo Grandiski. As juntas de dilatação, observa
Grandiski, não devem ser vedadas pelo acabamento. Se isso não for obedecido,
surgirão fissuras nesse acabamento devido à dilatação térmica da estrutura.
Na execução de uma obra, algumas imprudências comuns podem gerar fissuras.
A NBR 7200:1998 é a norma geral de execução de revestimentos de paredes e tetos
de argamassas inorgânicas, e indica os intervalos mínimos de execução entre
cada etapa do trabalho. A norma diz que, entre a execução da estrutura de
concreto e a alvenaria, é preciso esperar pelo menos 28 dias. "Atualmente
esses prazos costumam ser desobedecidos, daí resultando em trincas e fissuras.
Por exemplo: se o reboco for aplicado antes do prazo mínimo, enquanto o emboço
ainda está retraindo, podem surgir no reboco fissuras mapeadas", alerta
Grandiski.
Outro problema recorrente citado pelo engenheiro do Ibape é a sobrecarga na
edificação. Durante a execução da obra são colocadas pilhas de sacos de
cimento, tijolos ou acúmulo de areia ou entulho sobre as lajes, atingindo
cargas superiores a 900 kg/m3. "Isso é muito superior às cargas teóricas
estabelecidas na NBR 6120:1980. Por exemplo, para prédios de escritórios, as
lajes devem ser projetadas para suportar cerca de 270 kg/m2, com piso e
forro."
Bastante comum, também, é a fissura de origem higrotérmica. Elas são resultantes
dos pontos de contato de materiais que apresentam simultaneamente coeficientes
de dilatação térmica diferentes, e diferentes dilatações provocadas pela maior
ou menor absorção de água. É o caso das áreas de contato entre as estruturas de
concreto armado e as alvenarias, quando passam por ciclos de recebimento de sol
e chuva. Nos últimos andares dos edifícios esse fenômeno costuma ficar bastante
visível quando a pintura do revestimento externo perde sua capacidade
hidrofugante.
Técnicas de recuperação
O engenheiro Renato Sahade avaliou, em dissertação de mestrado apresentada ao
IPT, os principais sistemas de recuperação de fissuras em alvenarias. Todos
estão indicados de acordo com as características típicas das fissuras.
Portanto, o primeiro passo para recuperar uma fissura é chegar à definição
precisa da sua causa.
"Quando a fissura é de origem estrutural, sua recuperação é mais complicada.
Uma fissura mais superficial, mapeada, tem recuperação mais simples.
Independentemente disso, é preciso ter um treinamento da mão de obra",
alerta Sahade. As fissuras, no geral, são recuperadas com a aplicação de
produtos flexíveis, como selantes elásticos. "Alguns procedimentos demoram
a ser feitos, porque é preciso abrir a fissura, fazer a limpeza, aplicar os
produtos e esperar secar. Mas há outros mais simples, que em dois dias o
trabalho já está concluído", afirma. Entre os produtos, há, inclusive,
tintas especiais para fachadas, com maior capacidade de tolerar deformações sem
fissurar.
Independente do sistema utilizado, a solução deve ser compatível com a
construção, para alterar o mínimo possível as suas características. Também deve
ter durabilidade e, ainda, ser passível de remoção sem que danifique os
materiais originais da edificação. Confira a descrição do sistema que se baseia
em membranas acrílicas e selagem. "Na prática, é um dos mais conhecidos e
utilizados no mercado nacional. Mas é o menos aplicado de forma correta, em
função da quantidade de atividades nem sempre respeitadas", afirma Sahade.
Para a recuperação propriamente dita, foram empregados quatro materiais: o
fundo preparador de paredes, o selante acrílico, o impermeabilizante de lajes e
paredes e a tela de poliéster.
Recuperação passo a passo
|
Abertura
de sulco sobre a fissura
|
|
Remoção
do acabamento da parede
|
|
Aplicação
de selante acrílico
|
|
Secagem
da fissura selada
|
|
Aplicação
de impermeabilizante acrílico
|
|
Segunda
demão de impermeabilizante estruturado em tela de poliéster
|
Preparação da superfície
n A fissura foi aberta em um perfil em forma de
"V", por meio de disco de corte, para apresentar aproximadamente 1,0
cm de profundidade e 1,0 cm de largura (foto 1)
n O acabamento da parede foi removido em uma faixa
de cerca de 20 cm em torno da fissura, contados 10 cm para cada lado, até
atingir o reboco, para remover todo o sistema de pintura existente (massa
acrílica e tinta) (foto 2)
n Com um pincel 2", eliminou-se todo o pó da
fissura aberta, bem como das faixas laterais
Fundo
n Se necessário (caso o substrato não estiver
coeso), é aplicado um fundo preparador de paredes. O produto é aplicado com
trincha na fissura e nas faixas laterais
Tratamento da fissura
n Preenche-se a fissura com duas demãos de selante
acrílico por meio de aplicador. Utilizou-se uma espátula nessa aplicação, para
que o material fosse bem compactado no interior da fissura (foto 3)
n Em seguida, foi necessário aguardar 48 horas,
no mínimo, para secagem entre demãos
n Aguardou-se intervalo de 24 horas para secagem da
última demão do selante acrílico (foto 4)
n Uma farta demão de impermeabilizante acrílico foi
aplicada, diluído com 10% de água, sobre a fissura e as faixas laterais (foto
5)
n Foi preciso aguardar seis horas para a
secagem
n Uma segunda demão de impermeabilizante acrílico
foi aplicada, da mesma forma que no item anterior, fixando-se, nessa etapa, uma
tela de poliéster, de 20 cm de largura, sobre toda a faixa da fissura, tendo
como orientação o eixo da trinca (foto 6)
n Para a secagem completa, foi necessário aguardar
seis horas
Acabamento final
n Um novo nivelamento foi executado, sobre as partes
anteriormente rebaixadas, com massa acrílica, aplicada em camadas finas e
sucessivas, não ultrapassando espessura final superior de 3 mm
n Foram aplicadas duas demãos de tinta látex
acrílica, com diluição de 30% a 40% de água na primeira demão, e de 10% a
20% na segunda, usando-se um rolo de lã para aplicação. Foi necessário observar
um intervalo de quatro horas entre as demãos
http://techne.pini.com.br/engenharia-civil/160/trinca-ou-fissura-como-se-originam-quais-os-tipos-285488-1.aspx